A cadeia da carne suína no Brasil vem alcançando grandes dimensões. Ano após ano, batem-se recordes em produção, exportação e faturamento. A dimensão alcançada pela cadeia traz questões e discussões quanto ao alto número de animais alojados e a grande produção de dejetos oriundos desse sistema produtivo. Diversas técnicas de manejo e aproveitamento destes dejetos vêm sendo discutidas ao longo dos anos. Acredita-se que otimizar a eficiência no uso dos nutrientes por parte dos animais possa ser eficaz para reduzir custos (Andretta et al., 2014) e contribuir para a manutenção da sustentabilidade da suinocultura.
Dentre as práticas de manejo aplicadas à suinocultura está a nutrição, um dos pilares para a manutenção de bons índices produtivos devido a sua alta participação nos custos como um todo. A formulação de dietas na indústria de suínos visa, de maneira geral, atender as exigências nutricionais buscando maximizar as respostas produtivas dos animais ou o retorno financeiro da produção (Han et al., 2000). Recomendações nutricionais para suínos em suas determinadas categorias ou fins produtivos podem ser encontradas em manuais como o NRC (2012) ou as Tabelas Brasileiras para Aves e Suínos (Rostagno et al., 2017). O sistema de alimentação usualmente adotado na suinocultura brasileira é o de “alimentação por fases”.
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Amplamente utilizados, sistemas de alimentação por fases visam atender as demandas nutricionais de suínos enquadrados em diferentes fases da produção, ou status fisiológicos (como lactação). Esse sistema ganhou grande difusão a partir do final da década de 90, quando antes se utilizavam dietas únicas durante o ciclo produtivo. A maior complexidade do sistema alimentar na suinocultura brasileira contribuiu para a expansão da cadeia até as dimensões hoje conhecidas.
Apesar de ser uma prática interessante para a suinocultura, o sistema de alimentação por fases não considera exigências individuais. Alguns estudos discutiram que pode-se alcançar uma maior eficiência produtiva ao se ajustar o fornecimento nutricional o mais próximo possível das demandas nutricionais individuais de cada animal (Ferket et al., 2002; Pomar et al., 2014). O uso de dietas que se adequem e acompanhem as oscilações nutricionais dos animais ao longo do ciclo produtivo nesse cenário são essenciais, e nesse contexto entra a alimentação de precisão para suínos.
Sistemas convencionais de alimentação para suínos
O programa alimentar mais utilizado na suinocultura brasileira atualmente é designado “alimentação por fases”. Esse termo “alimentação por fase” descreve o fornecimento de dietas por menores períodos dentro do ciclo produtivo, buscando aportar nutrientes o mais próximo possível das demandas nutricionais dos suínos em cada uma de suas fases de produção (Han et al., 2000). Esse sistema alimentar ganhou grande difusão na suinocultura a partir da década de 90.
Diversos estudos do período comprovaram resultados significativos a partir do uso da alimentação por fases, sendo os benefícios observados no contexto da redução da excreção de nitrogênio e fósforo (Honeyman, 1996; Paik et al., 1996; Mosenthin et al., 2007;). Sabe-se que os sistemas de produção animal – como um todo, geram alta quantidade de dejetos (fezes e urina) e que esses possuem potencial poluente. Portanto, práticas que visem a redução da excreção de nutrientes compõem uma questão sempre atual.
Nos sistemas convencionais de alimentação, as estimativas nutricionais dos animais são calculadas utilizando-se métodos matemáticos, nesse caso os métodos empírico ou fatorial. Estes métodos estimam as exigências através da média da população ou através de um indivíduo médio do grupo (Fraga, 2011). As exigências nutricionais estimadas para cada fase ou status fisiológicos estão presentes nas tabelas do NRC ou nas Tabelas Brasileiras (Rostagno et al., 2017).
Apesar de excelentes referências, nessas tabelas não são consideradas variações nas demandas nutricionais naturais entre os animais. E as demandas nutricionais dos animais variam de maneira dinâmica ao longo do ciclo de crescimento e também entre os indivíduos dentro de uma mesma população (Pomar et al., 2003). Isso caracteriza os rebanhos como heterogêneos. Portanto, a busca por respostas em um determinado grupo desconsidera essa individualidade, não atendendo às dinâmicas individuais características do ciclo de desenvolvimento.
Sistemas de alimentação de precisão para suínos
O objetivo da alimentação de precisão é o desenvolvimento de sistemas que estimem e forneçam, no momento certo, uma ração em quantidade e composição adaptadas aos requerimentos individuais de cada animal (Gaillard et al., 2020). No contexto da busca por otimizar o uso de nutrientes pelo animal surge o conceito de alimentação de precisão. Ainda recente no Brasil, a alimentação de precisão se utiliza de modelos matemáticos para estimar as exigências nutricionais dos animais diariamente, de acordo com seu consumo e seu peso diário.
A partir do uso de alimentadores automáticos (Figura 1.), transponders são instalados em cada animal e o número correspondente a cada animal é reconhecido pelo alimentador automático, que somente fornece alimento quando ocorre a “visita” ao comedouro. Quando ocorre a identificação no momento de acesso ao comedouro, dados relativos aos animais (como peso, idade, fase) são coletados e analisados em tempo real pelo alimentador automático.
A partir disso, um subsistema é responsável por fornecer a ração em qualidade e quantidade determinadas. Ou seja, fornecer os nutrientes o mais próximo possível das exigências calculadas por um modelo matemático alimentado por informações do animal em tempo real (momento da visita ao comedouro). O fornecimento se dá a partir de algoritmos que formulam uma ração individual para cada indivíduo e dia do ciclo produtivo (Brossard et al., 2007). A ração é fornecida a partir da composição de um blend de rações formuladas diariamente de acordo com a estimativa de crescimento e peso do animal, evitando o fornecimento em excesso de nutrientes de maior custo, por exemplo os aminoácidos sintéticos. No momento do consumo, o animal é parcialmente pesado (região posterior) automaticamente ao se alimentar e suas visitas ao comedouro são gravadas pelo alimentador, gerando relatórios e fornecendo dados de comportamento alimentar como data, horário e duração da refeição.
Considerando que há grande variação entre indivíduos e suas demandas nutricionais entre animais de uma mesma população, apesar dos resultados positivos, sistemas de alimentação por fase podem apresentar limitações ao não responder às dinâmicas nutricionais do desenvolvimento, nem considerar a individualidade. Em experimentos utilizando a alimentação de precisão, estudos prévios encontraram que o uso de dietas diariamente ajustadas para cada indivíduo da população foi capaz de reduzir em 26% o consumo de lisina digestível, além de reduzir em 30% a excreção de nitrogênio e 10% dos custos com nutrição em relação ao grupo alimentado pelo sistema convencional de fases, sem comprometer o desempenho dos animais (Andretta et al., 2014; Pomar et al., 2019).
Santos et al. (2018) conduziram um experimento para avaliar as respostas produtivas de suínos submetidos a estresse térmico por calor em sistemas de alimentação de precisão. Na mesma linha dos resultados encontrados previamente no estudo de Andretta et al. (2014), Santos et al. (2018) observou que suínos no sistema de precisão reduziram em 19% o consumo de lisina e 24% a excreção de nitrogênio em comparação com programas convencionais, sem comprometer sua performance e composição corporal.
Nestes estudos foi possível observar que a alimentação de precisão para suínos pode desempenhar um importante papel para a “suinocultura do futuro”. A partir dessa tecnologia há otimização na utilização dos recursos – como o fornecimento de aminoácidos, um componente de valor elevado na dieta. Adicionalmente, há uma maior eficiência alimentar, pois os animais recebem quantidades “ideais” de nutrientes. Isso gera uma redução na excreção de nutrientes que foram fornecidos em excesso e que são possíveis poluentes ao solo. Nesse cenário, o uso da alimentação de precisão em sistemas de criação de suínos demonstra potencial para contribuir com a sustentabilidade ambiental da cadeia como um todo, inclusive reduzindo os custos de produção.
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Referências:
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BROSSARD, L. et al. Analyse par modélisation de la variation des performances d’un groupe de porcs en croissance en fonction de l’apport de lysine et du nombre de phases dans le programme d’alimentation. p. 8, [s.d.].
FRAGA, B. N. Impacto econômico do sistema intelligent precision feeder na produção e distribuição de rações para suínos em crescimento. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) – Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, p. 91.2011.
FERKET, P. R. et al. Nutritional strategies to reduce environmental emissions from nonruminants. Journal of Animal Science, v. 80, n. E-suppl_2, p. E168–E182, 1 jan. 2002.
GAILLARD, C.; BROSSARD, L.; DOURMAD, J.-Y. Improvement of feed and nutrient efficiency in pig production through precision feeding. Animal Feed Science and Technology, v. 268, p. 114611, out. 2020.
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ROSTAGNO, H. S. Tabelas Brasileiras Para Aves e Suínos. 488 p., [2017].
SANTOS, L. S. DOS et al. Precision feeding strategy for growing pigs under heat stress conditions1. Journal of Animal Science, v. 96, n. 11, p. 4789–4801, 21 nov. 2018.
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